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Meu nome é Thiago Caro e em Novembro de 2008 decretei uma moratória a mim mesmo.
Morei um tempo bom em Michigan e viajei boa parte dos EUA em treinamento para o trabalho voluntário relacionado a educação que agora faço em Moçambique. Em Fevereiro de 2010 irei de Moçambique a Israel em uma viajem cruzando por terra, em transporte local, Tanzania, Kenya, Ethiopia, Sudão e Egito. Escrevo este blog como maneira de compartilhar minhas experiências e bobagens com todo aquele que ache interessante e fale português.

thiago_caro@hotmail.com

Wednesday, September 30, 2009

Moçambique

Moçambique nossa terra gloriosa, pedra a pedra construindo um novo dia, milhões de braços uma só força. Ó pátria amada vamos vencer.

Conversando, todos dizem que esta região de Moçambique onde estou é uma das melhores do país. As montanhas que se erguem de maneira majestosa em meio a savana, propiciam uma brisa que afasta um pouco o calor africano que está quase sempre a suar e queimar a pele, além do que oferecem um grande entretenimento de domingo para aqueles que gostam de andar pelas comunidades conhecendo a região e terminar a caminhada subindo uma montanha. Além das condições climáticas e geográficas favoráveis, o povo da província de Manica é muito acolhedor e amigo, fora o estranhamento muzungo que por vezes incomoda ambas as partes, me sinto sempre seguro e confortável com o povo daqui.

Quando estive em Maputo por alguns dias (Maputo fica próximo a África do Sul) não me senti tão confortável assim. A cidade é daquele tipo que fica grande sem saber o porque, muita gente vivendo em um espaço que não provê estrutura ou condições de morar, comer ou se locomover. Não pude ir a muitos lugares, já que o transporte é um martírio, lembro de um dia que saí para conhecer o centro mesmo da cidade, e fiquei lá andando, entrando em mesquitas, lojas e etc... quando vi o sol já estava em seus ultimos momentos de raiar. Comecei aí a procurar por um chapa que me levasse de volta para o bairro onde fica a casa dos DIs, mas este era o chapa que menos passava... e quando passava estava em situações que não havia como pensar em entrar ali. Esperei 1, 2, 3 horas até que passasse um chapa em que eu pudesse entrar com um mínimo de dignidade, mas bem mínimo. Como já disse os chapas são um tipo de lotação, mas muito pior, e os de Maputo em especial, tem um Q de crueldade já que as pessoas vão sentadas, depois pilhadas em cima das sentadas e depois para fora, apoiadas em cima das que estão pilhadas. Enfim, depois de esperar por 3 horas fui na categoria pilhados, e estava me equilibrando, deixando os joelhos duros e me segurando no assento do motorista com uma mão e apoiando no teto (que estava a 2cm da cabeça) com a outra, me esforçando para não sentar, literalmente no colo de um rapaz que estava na posição dos sentados... após observar a situação pela qual eu passava, num esforço hercúleo para não sentar em seu colo, o rapaz disse... tudo bem amigo, pode sentar... mas eu me mantive forte até chegar a meu destino. Resumindo, Maputo não é uma cidade muito amigável.

Em um feriado viajei a Beira, praia que fica ao oriente de Chimoio coisa de 5 horas, lugar lindo... as praias do oceano índico, muito salgadas e nem tão cristalinas, mas não por sujeira e sim pela areia pesada. Lá em Beira existem dois navios (que já enviei as fotos) que encalharam na areia e por lá ficaram, enferrujando e abrigando crustáceos... estes barcos juntos ao farol davam um tom meio surrealista a praia do Estoril (eee Portugal) aonde há uma vila de pescadores que trazem grandes camarões (parecem lagostinhas) e vendem o kilo por Mtn 150,00 (USD 5), além de peixes grandes, saborosos e baratos. Em Beira as pessoas são um pouco mais malandras, praieiras ou algo assim... durante a noite muita gente se aproximava dos muzungos no bar... e ofereciam uma putaria ali... um taxi aqui... sempre deixando aquele sentimento de golpe no ar.

Estas três cidades que mencionei formam um triangulo, onde Maputo está embaixo, Chimoio a esquerda e Beira a direita... daqui para cima... the Bush baby... mata, selva e animais... ainda terei a oportunidade de ir a alguns lugares ao norte, creio que eles serão ainda mais longes daquilo que em terras ocidentais chamamos civilização. Que bom.

Moçambique é um país uniformemente pobre... extremamente pobre... quando digo pobreza me refiro a falta de água, alimento, esgoto, estradas, transportes, comunicação (exceto celular)... um vasto portifolio de doenças, pestes, epidemias.... mal nutrição... o povo daqui sofre e muito, isso não é localizado é em todo o lugar.

Esta situação de pobreza é a consequência de muita coisa que deu e daria muitos livros, porém tem um cheiro no ar que me lembra muito um problema bem brasileiro... a merda do ‘jeitinho’ que pode ser chamado de corrupção... acomodação ou coisa parecida, então esse mesmo, mas assim como a maioria das coisas aqui exagerado... Talvez o passado em comum sobre assuntos como Portugal, escravidão, colonia etc, crie esta vontade de ser muito esperto que acaba por deixar que os mais espertos nos enganem.

Aqui na ADPP eu me deparo as vezes com situações que não acredito... a situação acontece, eu olho, reflito e não acredito. A falta de vontade sobre as coisas é impressionante e me assustou muito nas primeiras semanas, a grande maioria simplesmente don´t give a shit. Alguns professores e funcionários daqui veem os DIs como uma grande oportunidade de fazer um pouco menos e tentam jogar seu trabalho em cima de nós, se você aceitar, passa aqui um tempo fazendo o trabalho deles... No caso de você precisar da ajuda de alguém em algo que demande mais que 2 minutos de atenção ... ishhh yowê, vai ser difícil. Essa parte lenta da coisa as vezes me deixa perplexo, mas as vezes me faz pensar, será que eu que estou errado? Oras, eles estão aqui, vivendo muito mal, na minha opinião... mas essa é a minha opinião... eles não conhecem o que eu conheço como civilização então para eles aquilo é algo que passa na novela brasileira a noite. Talvez me preocupo demais, mas confesso que continuo com a mesma opinião.

Andar pelas ruas de poeira de Moçambique (asfaltadas geralmente só as principais dos centros e as 6 rodovias do país) é um flerte com a fama, isso para um muzungo. Praticamente todas as crianças (que são muitas) que encontro, ou acenam, ou vem e pegam na mão ou fazem uma brincadeira ou coisa assim, na verdade o mesmo acontece com os adultos. Esse negócio de pegar na mão me intriga um pouco, já que a sociedade aqui é extremamente machista... um homem pode ter várias mulheres, a mulher é considerada pelos homens um tipo de nada, não existem gays ou eles se escondem muito bem... mas nas ruas é muito comum ver homens de mãos dadas e vira e mexe um quer andar de mãos dadas comigo... é uma cena estranha, mas bem comum que já me habituei a ver... as crianças sempre andam de mãos dadas, brigam muito mas estão sempre de mãos dadas, são pessoas muito carinhosas na verdade.

A população é muito jovem por dois motivos principais (sempre eles), as pessoas se reproduzem demais, muito cedo e também morrem muito cedo. Não é fácil ver pessoas realmente velhas, e quando você pensa que elas são velhas, na realidade são marcas de uma vida difícil. A má nutrição e a AIDS são as principais causas (1 em cada 5 moçambicanos tem AIDS) e isso reflete em uma sociedade com muitas crianças órfãs, que são criadas por outros parentes ou ficam pela rua ou em orfanatos. É muito difícil crescer em recursos quando as bases são essas, as crianças muitas vezes não tem quem as eduque, o déficit de professores é enorme e aqueles que se propõe ao ofício infelizmente não tem uma formação adequada. O fato é que vejo aqui algumas iniciativas internacionais que tentam alguma coisa, ou fingem... um governo que paga em dívida mais do que em saúde e educação juntos e condições de crescimento muito difíceis, mas nada é tão fácil assim.

Moçambique tinha reinos poderosos na época das primeiras explorações portuguesas... o império de Gaza ao sul e o Monomotapa na região central onde estou eram prósperos, porém assim como toda a África, por condições internas, foi sujeito ao tráfico de pessoas e posteriormente a pilhagem européia. Durante os anos de ocupação portuguesa nos séculos passado e retrasado, dizem que muita coisa foi construída aqui e realmente a quantidade de ruinas é muito grande, acontece que segundo a historia (por que segundo ao Coutinho, que é português, Portugal só trouxe prosperidade) após a saída portuguesa forçada de suas possessões africanas, os mesmos destruíram tudo o que tinham construido com as riquezas do país e deixaram como herança uma guerra de desestabilização que foi uma das mais sangrentas do pós neo-colonialismo na África... as facções que depois se tranformariam em Renamo e Frelimo, os dois partidos majoritários, guerrearam pelo domínio do país ao ponto em que tudo o que existia foi destruído. A guerra acabou em 1994 e portanto Moçambique é um país em reconstrução.

Em Outubro acontecerá a eleição para presidente no país, o mandato é de 5 anos e o sr. Emílio Guebuza, atual presidente e partidário da Frelimo será reeleito pela grande maioria dos votos. Nas ruas se encontra a cada 10m alguem fazendo campanha para a Frelimo, mas nunca vi ninguem fazendo campanha para a Renamo. A Renamo é o partido dos portugueses que desestabilizaram enquanto a Frelimo é o partido dos Moçambicanos que lutaram pela independencia (contando a história política com se fossem quadrinhos) portanto a eleição é um tipo de validador para esta nova ‘democracia’ da República Popular de Moçambique (ufanista) que elegerá a Frelimo em Outubro.

Estando longe do Brasil, hoje em dia tenho outra idéia de Brasil. Aquele lugar que talvez seja o mais perfeito com todos os seus defeitos, é realmente um país abençoado, onde apesar de encontrarmos muita desigualdade e guerras internas temos em geral uma vida muito boa, cheia de oportunidades e possibilidades. Os jornais que tenho lido (não brasileiros) colocam o Brasil como um dos países mais independentes da política mundial para sua prosperidade (NYT) ou como uma potência política consolidada no ocidente, junto aos EUA (Times) e isso foi mostrado essas semanas com o caso do presidente hondurenho. Nos tempos recentes o Brasil passou a ter também outra importância política no contexto mundial e acredito que isso pode ser muito bom para nosso povo criar aquilo que ainda falta um pouco, que é a identidade brasileira, de um povo forte, cheio de defeitos, mas que convive em paz, trabalhando e buscando ,por mais que as vezes não pareça, uma situação melhor. Nos Estados Unidos comecei a perceber que eu como brasileiro, não dava o devido valor ao meu país... os made in EUA admiram nosso país e aquele negócio de que vivemos na selva na verdade vem de gente ignorante, aqueles que possuem mais conhecimento sempre diziam alguma coisa de bom sobre o Brasil, nunca ouvi nada ruim, se eu fosse made in EUA isso seria diferente.

Aqui em Moçambique, nós somos o primo rico. A cultura brasileira tem sido muito difundida por aqui, por meios torpes como a televisão, mas por meios mais dignos como boa música, profissionais (médicos, professores, engenheiros), escritores e empresas. Grande parte da pequena estrutura que vem sido criada é feita por empresas brasileiras como a Odebrecht ou Andrade Gutierrez, os aviões das empresas moçambicanas são Embraer. Como nem tudo são flores também tem muitas igreja universal do reino de Deus. Enfim, o que queria dizer sobre o Brasil em meio ao post Moçambique, é que essa simpatia e admiração (acredite) que o mundo todo tem por nós, nos abre portas que muitas vezes não sabemos que estão ali. Se você ai no Brasil trabalhar durante algum tempo com um salário médio vem para Moçambique e vira empresário... aqui tem muito o que crescer e isso vale para outras esferas também, os brasileiros são muito bem vindos na reconstrução deste país e não por filantropia mas por simbiose já que nós que estamos economicamente e socialmente também mais ‘avançados’ podemos contribuir para o avanço de tantas nações que necessitam de ajuda externa, tendo talvez o papel que um dia já foi dos EUA, mas desempenhando este papel de forma diferente, mais brasileira (ah que medo!!!). Uma coisa seria muito boa para todo brasileiro... se desvenciliar da imprensa de massa de nosso país que fatura em cima da ignorância e faz questão de mostrar um Brasil pior do que ele é... leia um pouco da imprensa internacional (nem todos os dias) e veja o que dizem do Brasil...

E viva Moçambique!

Aquele abraço

1 Comment:

pais said...

continuas a escrever muito bem!!!viajamos nesse blog e entendemos como realmente as coisas são por aí. por tudo o que voce descreve a sua passagem por aí deverá ter um significado importante para as pessoas deste seu convivio e inclusive para voce também .beijos