A soja nossa de cada dia...

Ola!
Esses dias foram um pouco estranhos, na verdade me sinto perdendo um pouco a inocência sobre tudo o que vem acontecendo. Viajando para Indianápolis esta semana, conversando com Diego, um argentino meio boludo, na verdade muito sangue bom, começamos a divagar sobre o que fazemos aqui. Quando alguém se propõe a um trabalho como este, deixa muitas coisas para trás e quando se vem para cá todos tem as melhores intenções. Mas o mundo não é azul anil (cor de rosa ficaria estranho, considerando o post da Romieta)
Vivemos em um tipo de comunidade, idealizada em uma viagem paz e amor feita nos anos 70, que se transformou, graças a idéias que começo a perceber como geniais, em uma ONG com atuação em muitos países de todos os mundos... do primeiro ao terceiro. Estar aqui é um grande exercício de viver em comunhão com o próximo, não só pelo objetivo de contribuir com sua parte para uma sociedade um pouco mais justa, mas pelas situações mais diversas que podem acontecer quando pessoas de diferentes partes do mundo vivem em um mesmo prédio, estudando em uma mesma "escola" dividindo tarefas, comida, carros e etc...
Primeiro o porque da genialidade e depois o porque as vezes a paciência com o próximo é um exercício Hercúleo.
Os voluntários que vem para cá buscam sempre duas coisas muito dignas... ajudar a evoluir a sociedade e sua cultura própria. A ONG proporciona os dois, é verdade. Durante parte do tempo em que se passa em um país rico (no meu caso E.U.A) você tem um custo de vida alto, que é pago pela ONG. Quando digo custo de vida alto, sim quero dizer alto, o custo de alimentação por exemplo é absurdo. Teoricamente não pagamos por isso, mas enquanto estamos aqui, estamos cuidando para que o instituto continue a existir e portanto estamos trabalhando e não recebemos por isso em termos financeiros. Em certo período do projeto, temos que arrecadar fundos para nossa viagem a Africa, o valor ... USD 6.000 pensando em termos de Brasil isso é absurdo, mas aqui funciona, as pessoas dão sua contribuição para causas como a nossa e sempre os voluntários conseguem arrecadar esta quantia elevada através de doações, as quais nós temos que arrumar um jeito de conseguir. Na verdade com este valor que cada um deve arrecadar, pagamos nossa passagem e tudo mais na Africa, onde o custo de vida é outro, e portanto, o dólar tem outro valor. O restante fica como parte a pagar nossas despesas nos EUA. Durante o período nos EUA, também trabalhamos esporádicamente na coleta de roupas doadas ao Planet Aid, ou seja, estamos gerando renda, sem custo em salários para a organização. Levando em conta o quanto se pagaria a funcionários que tomassem conta de manutenção e tudo mais, já temos mais um valor a considerar. Trocando em miúdos, no final das contas o instituto ganha por que não tem uma larga folha de pagamentos a arcar (a mão de obra é cara por aqui) não tem grandes gastos a nos enviar para a Africa (já que temos que conseguir os donativos) e consegue pessoas que vão continuar o trabalho na África e quando retornarem a seus respectivos países vão tornar a ONG um pouco mais conhecida. Não se pode esquecer de adicionar a esta conta que empresas colaboram, que governos dão subsidios. Nós voluntários ganhamos pois viajamos muito, aprendemos sobre coisas que possivelmente nunca iriamos aprender, temos que lidar com situações onde é possível aprender muito sobre si mesmo, encontrar habilidades desconhecidas, exercitar liderança e lidar com conflitos... e fazemos um trabalho do qual, espero eu, possa um dia me orgulhar. Para aqueles que as organizações prestam auxílio (Africa Subsaariana, América Latina e alguns países do oriente) o benefício vem pois pessoas interessadas em ajudar estão indo a estas regiões com intenções não financeiras ou exploratórias, e possuindo diferentes experiencias creio que realmente podem ajudar. Daí a genialidade, teoricamente, em diferentes proporções todo mundo sai ganhando.
Então, por que o mundo não é azul anil ?O ser humano é realmente um bicho estranho... por exemplo, durante a semana tivemos uma quantidade reduzida de comida, por dois motivos...(1) O orçamento para alimentação é apertado e portanto tem que ser bem gerenciado, infelizmente o terceiro setor não é um bom exemplo de gerenciamento (apesar da genialidade) e isso vale também fora do Brasil. (2) Voluntários que foram trabalhar em diferentes partes dos EUA levaram boa parte da comida que o instituto compra semanalmente, levaram meio que... com egoísmo.Quando se está fora, o IICD dá uma verba (pequena) para as refeições... todo mundo concorda que fazer alguns lanches, ou pegar uma coisinha aqui, outra ali é justo... mas levar tudo é sacanagem....é um pensamento que não combina com tudo isso. Algumas dúvidas que sempre vem junto ao trabalho humanitário também vem a tona, como... espero nunca encontrar nada de podre por trás disso. Que a sociedada "evoluída" explora o continente africano e tira disso muitos "benefícios" a séculos não é segredo para ninguém, veja a escravidão e o fato que muitas vezes por trás de boas intenções há um grande grupo sem rosto que tira benefícios através do estudo de novos remédios, alimentos. ou o que for que necessite cobaias antes de ser utilizado por um autêntico caucasiano. Nunca estaria envolvido em nada parecido... não vejo no trabalho que fazemos nada que busque perpetuar a pobreza, pelo contrário, vejo a Humana como uma organização que atua realmente visando uma maior equalização de forças entre pobres e ricos... vide a redistribuição de renda que fazemos com as mãos, visto que os donativos recebidos em países ricos, são utilizados em projetos em países pobres... porém fatos como o grande subsídio a soja dado pelo governo estadounidense e as grandes doações que o ministério da agricultura deste país faz aos projetos na Africa são fatos que merecem a atenção.
Por vezes... estando aqui em um país rico, na neve, com boa moradia, aulas interessantíssimas, viajando, exercitando linguas estrangeiras, vivendo em uma comunidade muito rica culturalmente, perde-se o foco do por que se está aqui... vejo este problema, pensar que é turista e de repente perceber que não é. De maneira alguma vou perder meu foco, lembro sempre do por que deixei minhas coisas para trás... para viajar, sim, para minha cultura, sim... mas tenho um outro motivo, que é maior e não me esqueço... por isso escrevo tudo isso agora, Domingo 2:00 da manhã...
A quem teve paciencia, de certa maneira... agradeço